Pelas
cinco da manhã já a aurora rosada e quente recortava o Pão de Açúcar e o posto
seis de Copacabana enchia-se de vendedores de água de coco e sorvete. As
quengas, que toda a noite tinham aviado os turistas, sumiam como vampiros
regressando ao caixão, para na noite seguinte retomar o batente. Mês de
Carnaval, samba nos genes, o Rio vivia a semana maior do ano. Gustavo e o amigo, Jorge, que não iam à cama desde a chegada ao Rio, tinham bilhete
para o sambódromo, sete mulheres para cada um,
prometia o porteiro do hotel, já habituado à anual orgia dos sentidos. Enrolado
em transpiração e cor, desaguando esfuziante na Marquês de Sapucaí, aí estava o
colorido mundo de baianas e passantes, deserdados filhos do morro, mas
reluzentes príncipes por três dias. Para tudo se acabar na quarta-feira.
Enquanto
a noite não chegava, Jorge aproveitou para uma praia em Ipanema, Gustavo, menos dado a praia, preferiu um jogging no calçadão, dois cariocas que conheceu
no posto sete ofereceram-lhe mesmo “bolinhos de bacalhau”, ficando companheiros
de corrida. À noite, enfim a festa na Grande Arena. Autocarros pejados levavam os
foliões ao sambódromo, fornecendo um kit
com sandes, cerveja e “camisinhas”. Antes do cortejo, picanha no
Terreirão do Samba, um grande arraial no exterior do recinto, caipirinhas,
corpos soltos e à solta, a coutada fértil para uma noite de prazeres.
Daniela,
uma gazela morena, aproximou-se da mesa a oferecer companhia, mais tarde
desfilaria pelos Unidos da Tijuca,
esse ano dedicado a Santos Dumond, o pioneiro da aviação. Vaporosa, parecia
levantar voo, já em piloto automático, os dois amigos exultavam,
enfrascando-se:
-Oi caras, me pagam um chope? -desafiou,
dengosa. Deus fez o mundo mas o português fez a mulata, pensou Gustavo. Era jackpot, trazia
duas amigas, súbito harém na noite de quarenta graus. No palco, a música
contagiava, já as primeiras escolas rasgavam o grande palco do Rio. Entrados no
sambódromo, o álcool e o calor extasiavam, camisas fora, corpos dentro, ritmo
endiabrado comandando a noite com tórridos apelos à amizade luso-brasileira,
aquilo sim, era lusofonia. Em Sintra era Inverno, e eles, na twilight zone, tratavam
das relações diplomáticas...
Jorge
torcia pela Mangueira, durante um favela
tour assistira ao ensaio, no morro, Jurema, uma passante prometera
ir ao seu encontro após o desfile. Enquanto a escola de Daniela não passava, e já grogue, Gustavo ficou atento a um zepelim que sobrevoava o recinto, ao
fundo, o Corcovado guardava, iluminado. Nessa noite desfilaram nove escolas,
uma hora para cada exibição, é dose,
desabafou o Gustavo, a fazer a conversão das horas em chopes, o transfer
para o hotel ficara para as seis da manhã.
Aí
pela sétima escola e dez cervejas depois, após o desfile da Mangueira, chegou
Jurema, radiante e emplumada, logo sumindo com Jorge para os lavabos. Depois de ver Daniela deslumbrar, apetitosa num fio dental que
excessivamente a cobria, Gustavo mandou um SMS ao amigo, que por certo já não leria, e
rompendo pela Sodoma electrizada, partiu com ela num táxi, o transfer que se
lixasse. No banco de trás, finalmente a explosão dos sentidos e dos corpos,
alheios ao taxista que pelo retrovisor observava os fogosos clientes. Gustavo
mandou deambular sem destino, nas areias de Ipanema teriam um fim de noite
fulgurante. Quase manhã, ainda alguns foliões queimavam um samba,
extenuado, Gustavo, depois de enfiar Daniela num táxi para o morro, enfim voltou
para o hotel. Uns metros à frente, uma música envolvente, vinda do Scala, convidava a uma última bebida.Que
se danasse, festa è festa, entrou, uma fauna de foliões com ar lascivo pejava o
bar:
-Precisa companhia, gostosão? -chamou
um tipo magro e louro, a quem um disfarce de arlequim emprestava um ar
perturbador. O cheiro de Daniela ainda impregnado não o seduziu para
aquele papo de fim de noite, e sem grande alarde, descartou-se, o outro,
que lambia os lábios com ar lascivo, fez uma careta e sumiu amuado para junto
dos amigos, fantasiados de marinheiros. Este
já não bebe mais nada, pensou Gustavo, despachando uma vodka abaladiça. À saída, já um novo dia raiava na baía de
Guanabara, saciado com a vertiginosa noite, reparou no cartaz do Scala, anunciando a festa que resistia
lá dentro:“Galera,
hoje Noite Gay e Lésbica. Caia no pedaço”. Sorriu e seguiu para o Othon. Já caíra o suficiente essa
noite, e em que pedaço…
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