quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O rapto do duque de Windsor




Anoitecia quando Walter Schellenberg chegou ao Hotel Nunes, em Sintra. Oficial da Gestapo, ia ao encontro do capitão Kramer, o chefe da terceira secção de contraespionagem da Abwehr, para o encarregar duma missão. Depois de Ribbentrop propor que o Duque de Windsor ocupasse o trono inglês após a vitória do Reich, este, de visita a Portugal, abordado em segredo no hotel Avis, mostrara-se reticente, pelo que, furioso, o Führer ordenava o seu rapto e que o levassem para Berlim. Schellemberg e Kramer com os seus cabelos louros não passavam despercebidos no Nunes, e no encontro foi acertada a missão e os seus pormenores.

-Heil, Hitler! -saudou Schellemberg, em Lisboa há dois meses.

-Heil, herr Schellemberg -retorquiu o capitão, uma cicatriz na cara denunciava o estilhaço de uma granada, durante a ocupação de Danzig. O Reich tem uma missão para si. Sabe que o ex-rei de Inglaterra Eduardo VIII está neste país?

-Ya, Hauptmann Kramer, temos dois dos nossos homens infiltrados na casa onde está alojado! -informou, marcial, o duque era convidado de Ricardo Espírito Santo, no Estoril, onde todas as secretas vigiavam, até  Agostinho Lourenço, o chefe da PVDE, pusera agentes a seguir-lhe os passos.

-Pois é preciso levá-lo em segredo para a Alemanha! -e passou a expor: o plano é o seguinte: no dia 29 de Julho os duques estão convidados para um jantar aqui em Sintra, em casa dum armador português, um tal Conceição Silva, que é da nossa confiança. Cecil Nassenstein e Volbrecht, da nossa legação em Lisboa, disfarçados de motoristas, conduzirão o carro do duque após o jantar, mas  sem voltar ao Estoril, seguirão antes para Tires, onde um avião do Reich os levará para Hamburgo. Compreendido?

-Ya wohl! Vou providenciar a operação!

Transmitidas as ordens, despediram-se seguindo em direções opostas, na vila, modorrenta, rosadas colarejas vendiam queijadas a preços convidativos.

Nassenstein e Volbrecht  tinham chegado uns dias antes a Lisboa, e trabalhavam no Hotel Avenida Palace onde um corredor secreto  ligava à estação do Rossio, com a conivência da PVDE, ali discretamente iam chegando muitos espiões do Reich. Em Sintra, ficou acertado o dia da operação, 29 de Julho, data do jantar, na véspera discretamente se encontrariam no Casino Estoril para acerto dos detalhes, dois courpiers eram da Gestapo. Entre o bacará e o poker seguiriam os passos dos ingleses, instalados no Estoril.

Eduardo VIII sucedera ao pai, Jorge V, em Janeiro de 1936, mas o seu reinado seria breve, oficialmente devido ao casamento com Wallis Simpson, uma americana divorciada. Abdicando a favor do irmão Jorge, manteve o título de duque, mas as simpatias pela Alemanha nazi começaram então a manifestar-se abertamente, para aí canalizando o despeito por não ter sido reconhecido a Wallis o tratamento devido. Ainda rei, realizara uma viagem à Alemanha onde foi calorosamente recebido por Hitler, e após estalar a guerra pronunciara discursos defendendo os nazis. Era um trunfo útil, um rei inofensivo que sem problemas depois da guerra Hitler sentaria no trono inglês. Ricardo Espírito Santo, o anfitrião do duque, colaborava com ingleses e alemães, num jogo do conhecimento da secreta inglesa, que em código o designava por Holy Ghost. Na noite do jantar em Sintra, alegou um encontro com o Ministro do Interior para não comparecer, sabia dos planos para o rapto e havia que manter-se distante.

Pelo fim da tarde, à saída para o jantar, Silveira, o motorista ao serviço dos duques, foi abordado por um inglês dizendo-lhe que não seria ele o chauffeur nesse dia. Ordens da embaixada, o dr. Ricardo estaria a par. Aliviado, o Silveira acatou a ordem, liberto para uma noite de copos com o Porfírio no tasco da Rua da Rosa.Os duques eram afáveis, mas pouco faladores. Notava-se amargura em Eduardo, dividido entre a angústia por ver a Inglaterra atacada e o apreço pela obra de Hitler, que tirara a Alemanha da crise que nos anos vinte a levara ao vexame. Afinal, a dinastia britânica tinha origens alemãs e o sangue dos Hannovers corria-lhe nas veias.

Já perto das sete, partiram. O motorista substituto falava inglês, era um conterrâneo, o que agradou a Eduardo, saudando-o com cordialidade. Chegados ao Alcoitão, o carro, porém, tomou outra direção. Eduardo estranhou, já tinha estado em Sintra mas não por aquele caminho. Perspicaz, o condutor pediu-lhe que não fizesse perguntas, tudo seria explicado mais tarde. Dusko Popov, um agente duplo inglês de ascendência sérvia, era o motorista, conhecido pelos pares como o “Triciclo”. Por comunicações cifradas os ingleses já tinham descoberto o plano dos alemães, e uma ação designada por Operação Wikki fora montada para pôr o duque a salvo. Chegados perto de Sintra, Popov inteirou-os da intenção dos nazis, descoberta pelo MI5 através de Kim Philby e Donald Darling, dois  dos agentes estacionados em Lisboa.

Em S. Pedro senhoras com lantejoulas e vários membros da comunidade britânica esperavam, estranhando a demora. Conceição Silva olhava o relógio, entreolhando Kramer, enquanto Volbrecht, disfarçado de motorista, aguardava junto a um carro. Os duques não apareciam, nem apareceram nessa noite. Um telefonema da embaixada comunicava uma indisposição súbita da duquesa, com pena pela ausência teriam de ficar pelo Estoril. Goravam-se os planos do Reich, com a espionagem europeia ensaiando manobras no spyland que era Portugal, que piscava o olho às potências em obediência ao tacto de Salazar.

Três dias depois do jantar, a 2 de Agosto, os duques partiram no Excalibur, rumo às Bahamas, onde, longe do vespeiro europeu, Eduardo assumiria o lugar de Governador. Mais uma vez os ingleses levavam a melhor.

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