Anoitecia
quando Walter Schellenberg chegou ao Hotel Nunes, em Sintra. Oficial da
Gestapo, ia ao encontro do capitão Kramer, o chefe da terceira secção de
contraespionagem da Abwehr, para o encarregar
duma missão. Depois de Ribbentrop propor que o Duque de Windsor ocupasse o
trono inglês após a vitória do Reich, este, de visita a Portugal, abordado em
segredo no hotel Avis, mostrara-se reticente, pelo que, furioso, o Führer ordenava o seu rapto e que o
levassem para Berlim. Schellemberg e Kramer com os seus cabelos louros não
passavam despercebidos no Nunes, e no encontro foi acertada a missão e os seus
pormenores.
-Heil,
Hitler! -saudou Schellemberg, em Lisboa há dois meses.
-Heil,
herr Schellemberg -retorquiu o capitão, uma cicatriz na
cara denunciava o estilhaço de uma granada, durante a ocupação de Danzig. O Reich tem uma missão para
si. Sabe que o ex-rei de Inglaterra Eduardo VIII está neste país?
-Ya,
Hauptmann Kramer, temos dois dos nossos homens infiltrados na casa onde está
alojado! -informou, marcial, o duque era convidado de
Ricardo Espírito Santo, no Estoril, onde todas as secretas vigiavam, até Agostinho Lourenço, o chefe da PVDE, pusera
agentes a seguir-lhe os passos.
-Pois
é preciso levá-lo em segredo para a Alemanha! -e
passou a expor: o
plano é o seguinte: no dia 29 de Julho os duques estão convidados para um
jantar aqui em Sintra, em casa dum armador português, um tal Conceição Silva,
que é da nossa confiança. Cecil Nassenstein e Volbrecht, da nossa legação em
Lisboa, disfarçados de motoristas, conduzirão o carro do duque após o jantar,
mas sem voltar ao Estoril, seguirão antes para Tires, onde um avião do
Reich os levará para Hamburgo. Compreendido?
-Ya
wohl! Vou providenciar a operação!
Transmitidas
as ordens, despediram-se seguindo em direções opostas, na vila, modorrenta,
rosadas colarejas vendiam queijadas a preços convidativos.
Nassenstein
e Volbrecht tinham chegado uns dias antes a Lisboa, e trabalhavam no
Hotel Avenida Palace onde um corredor secreto ligava à estação do
Rossio, com a conivência da PVDE, ali discretamente iam chegando muitos espiões
do Reich. Em Sintra, ficou acertado o
dia da operação, 29 de Julho, data do jantar, na véspera discretamente se
encontrariam no Casino Estoril para acerto dos detalhes, dois courpiers eram da
Gestapo. Entre o bacará e o poker
seguiriam os passos dos ingleses, instalados no Estoril.
Eduardo
VIII sucedera ao pai, Jorge V, em Janeiro de 1936, mas o seu reinado seria
breve, oficialmente devido ao casamento com Wallis Simpson, uma americana
divorciada. Abdicando a favor do irmão Jorge, manteve o título de duque, mas as
simpatias pela Alemanha nazi começaram então a manifestar-se abertamente, para
aí canalizando o despeito por não ter sido reconhecido a Wallis o tratamento
devido. Ainda rei, realizara uma viagem à Alemanha onde foi calorosamente
recebido por Hitler, e após estalar a guerra pronunciara discursos defendendo
os nazis. Era um trunfo útil, um rei inofensivo que sem problemas depois da
guerra Hitler sentaria no trono inglês. Ricardo Espírito Santo, o anfitrião do
duque, colaborava com ingleses e alemães, num jogo do conhecimento da secreta
inglesa, que em código o designava por Holy
Ghost. Na noite do jantar em Sintra, alegou um encontro com o
Ministro do Interior para não comparecer, sabia dos planos para o rapto e havia
que manter-se distante.
Pelo
fim da tarde, à saída para o jantar, Silveira, o motorista ao serviço dos
duques, foi abordado por um inglês dizendo-lhe que não seria ele o chauffeur nesse
dia. Ordens da embaixada, o dr. Ricardo estaria a par. Aliviado, o Silveira acatou
a ordem, liberto para uma noite de copos com o Porfírio no tasco da Rua da
Rosa.Os duques eram afáveis, mas pouco faladores. Notava-se amargura em Eduardo,
dividido entre a angústia por ver a Inglaterra atacada e o apreço pela obra de
Hitler, que tirara a Alemanha da crise que nos anos vinte a levara ao vexame.
Afinal, a dinastia britânica tinha origens alemãs e o sangue dos Hannovers
corria-lhe nas veias.
Já
perto das sete, partiram. O motorista substituto falava inglês, era um conterrâneo,
o que agradou a Eduardo, saudando-o com cordialidade. Chegados ao Alcoitão, o
carro, porém, tomou outra direção. Eduardo estranhou, já tinha estado em Sintra
mas não por aquele caminho. Perspicaz, o condutor pediu-lhe que não fizesse
perguntas, tudo seria explicado mais tarde. Dusko Popov, um agente duplo inglês
de ascendência sérvia, era o motorista, conhecido pelos pares como o
“Triciclo”. Por comunicações cifradas os ingleses já tinham descoberto o plano dos
alemães, e uma ação designada por Operação
Wikki fora montada para pôr o duque a salvo. Chegados perto de Sintra,
Popov inteirou-os da intenção dos nazis, descoberta pelo MI5 através de Kim
Philby e Donald Darling, dois dos agentes
estacionados em Lisboa.
Em
S. Pedro senhoras com lantejoulas e vários membros da comunidade britânica
esperavam, estranhando a demora. Conceição Silva olhava o relógio, entreolhando
Kramer, enquanto Volbrecht, disfarçado de motorista, aguardava junto a um
carro. Os duques não apareciam, nem apareceram nessa noite. Um telefonema da
embaixada comunicava uma indisposição súbita da duquesa, com pena pela ausência
teriam de ficar pelo Estoril. Goravam-se os planos do Reich, com a espionagem
europeia ensaiando manobras no spyland
que era Portugal, que piscava o olho às potências em obediência ao
tacto de Salazar.
Três
dias depois do jantar, a 2 de Agosto, os duques partiram no Excalibur, rumo às Bahamas, onde, longe
do vespeiro europeu, Eduardo assumiria o lugar de Governador. Mais uma vez os
ingleses levavam a melhor.
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