domingo, 21 de junho de 2015

O renovado solstício



Litha chegou a 21 de Junho, o primeiro do verão, no antigo contar dos dias, era o momento em que confortante o Sol chegaria ao zénite, e o mundo das flores e pastagens irromperia, florido e vivo. Esse ano, Alexandre não iria a Stonehenge, onde as pedras continuariam alinhadas com o Sol, mas estaria na Peninha, para o renovado ritual. Tudo estava escrito, explicou à filha, a pequena Débora: após a união da Deusa em Beltane, o deus adulto traria o verão e a fertilidade. E sendo nesse dia o seu auge, mais tarde morreria em Samhain, partiria o Deus do Carvalho e chegaria o Deus do Azevinho, até ao branco e frio tempo de  Yule.

Muitos anos Alexandre partilhara esse festim, Débora, fruto da sua união com Ana, nascera num dia de solstício. Ana partira, entretanto,  a morte colhera-a, precoce, mas com Débora e mais Irmãos de novo celebraria o Solstício na clareira da Peninha. Depois do trabalho, no Banco, pegou em Débora e partiram para a serra.Também nesse dia, em Stonehenge, no Alvão, e em muitos lados, os irmãos da Floresta reuniriam. 
Ana não estaria, mas a crença em dias melhores e Débora eram suficientes para  a redobrada esperança de Alexandre, o maluquinho das ervas, a quem a Susana do crédito baptizara de Panoramix.

Iniciando o ritual, queimaram os amuletos do ano anterior e novos talismãs, poções e filtros foram feitos, num momento de confraternização. Alexandre e mais amigos, chegados entretanto,  prepararam a  grande fogueira de Beltane, onde todos pulariam para afastar a negatividade. No fim do dia, a Grande Roda Solar alteraria o seu ritmo, e de novo os dias voltariam a encurtar, cíclicos e promissores, dando lugar ao azevinho-rei. Uma mesa foi improvisada na clareira, onde com vegetais, frutas, cerveja e hidromel fariam o cobiçado banquete, fragrâncias foram soltas no ar, já perfumado pelos eucaliptos, e dezenas de velas coloridas adornaram um altar com oferendas de camomila, sabugueiro, glicínia e verbena. Tudo preparado, Alexandre e Débora, com uma coroa de trigo na cabeça, foram apanhar pedras, para formar um círculo, e iniciar a cerimónia. Depois, com uma vara, Alexandre traçou uma estrela de cinco pontas dentro do círculo, enquanto os outros acendiam velas verdes, colocando-as na ponta do pentagrama. Colocada uma pedra grande ao centro, voltada a norte, e sobre ela uma estátua da deusa, acenderam velas brancas, colocando no ponto cardeal correspondente ao Ar um sino de latão e um incensório com mirra, e no ponto correspondente à Água um cálice de vinho, um prato com sal e uma tigela com água da chuva. Enquanto na Cidade Grande, apressados humanos corriam para casa, findo um dia de trabalho, na Floresta Límpida, os sábios do Mundo Oculto celebravam o Novo Ciclo, testemunhas de muitas lithas e yules, ciosos dos seus segredos milenares. 
Abençoando o vinho, Alexandre consagrou-o à Deusa, e salpicou sal e água sobre o sino de latão, abençoando-o. Acesos o olíbano e a mirra, e levantando os braços ao céu, fechou os olhos e deixou que pensamentos agradáveis lhe invadissem a mente, e todos em silêncio repetiram o ritual. Colocado o sino no altar de pedra, beberam e derramaram vinho no pentagrama. Depois, colocado o cálice vazio no altar, tocaram o sino três vezes, e ajoelhando, ofereceram incenso, e cantaram. Estava celebrado o Solstício e podia enfim vir o Verão, invadindo os ares e os campos, caindo vermelho o sol dos lados do Cabo da Roca.

No dia seguinte, de volta ao banco, Alexandre acolheu com um sorriso o Sol que lhe entrou pela janela da sala. Talvez a Susana do crédito quisesse almoçar, e partilhar uma salada com o Panoramix das cobranças. Ligou-lhe. Quem sabe se o próximo solstício não teria um novo participante.

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