Erasmus na Hungria,
para cursar Engenharia do Ambiente, era um desafio para Vanessa, uma mudança
para Budapeste e novos amigos em perspetiva. Eufórica com a aventura magiar,
chegou a Budapeste em Setembro.
A cidade era limpa e
aristocrática, com os velhos edifícios da era dos Habsburgos marginando o
plácido Danúbio, pontes pedonais e praças perfumadas de música, artistas de
rua, diferente do subúrbio onde vivia. Os primeiros dias foram de descoberta, a
impronunciável língua abafada pelos gulosos gundel palacsinta. A universidade
funcionava num edifício clássico, em Erasmus com ela, um italiano, Matteo, e
Ilse, uma sueca de trato fácil. Ao fim de uma semana eram já grandes amigos, a
alegria esfuziante da jovem do Algueirão derrubava fronteiras e conquistava o
leste.
Aí surgiu András.
András Szabo, 19 anos, colega de turma e com ar franzino, das aulas aos
passeios vespertinos pela Praça Vörösmarty, nasceu uma paixão e passaram a
partilhar um apartamento perto da ilha Margarida. Nas horas vagas, András
trabalhava no Karpátia, um restaurante perto da catedral de Buda, abrilhantado
pelo som das czardas debitadas por nervosos violinos. À noite, ela esperava-o e
ceavam juntos, e ao fim de semana, passeavam de bicicleta, por entre florestas
pintalgadas de cavalos ou banhavam-se no Balaton, cristalino lago a sul, um
copo de Tokay aquecia os corações e a cama, na noite fria da estepe. Portugal
era cada vez mais só a recordação do sol e dos amigos, o Facebook amenizava as
saudades e o futuro parecia despontar sorridente
Ao fim de dois meses,
András começou a ausentar-se com frequência, a mãe viúva adoecera e tinha de
lhe dar apoio em Esztergom. De início compreensiva, Vanessa entretinha-se nas
ausências de András a estudar na biblioteca, onde Matteo, o italiano, surgia frequentemente.
A alegria dele, anárquica e expansiva, contrastava com a postura eslava e
marcial do magiar, e os risos de Vanessa passaram a ser mais francos com Matteo
que com András. Um ambiente rotineiro e seco instalou-se então no apartamento,
quando à noite voltava do Karpátia já só restavam beijos distantes, o cheiro a
sültmalac da roupa dele suscitava agora enjoo a Vanessa.
A adrenalina do
ménage a trois, mesclada com um desejo irreprimível, estimulou-lhe a volúpia de
fêmea. András era o cérebro, Matteo o corpo. Até que Matteo sucedeu a András na
babel do desejo. Certa noite, com András ausente em Esztergom, jantaram numa
trattoria junto ao Kempinski. Moreno e atlético, Matteo transpirava virilidade,
umas Dreher ao som dum cimbalon e logo o apartamento foi o destino, direto e
sem apeadeiros, a jovem do Algueirão colecionava internacionalizações,
trepidante nos seus dezanove anos.
Assim foram passando
os dias e semanas. Em finais de Abril voltou a Portugal, de férias, apesar dos
jantares com os amigos, era em Budapeste que estavam os pensamentos, mais com
Matteo que com András, era uma gata dengosa com dois bichanos. Ao regressar,
inexplicavelmente András deixara o apartamento e levara as suas coisas, na
universidade ou no Karpátia ninguém o voltara a ver. Telefonou-lhe, perguntou
por ele, desaparecera sem rasto.Liberto do rival, Matteo passou a acompanhá-la
mais assiduamente e acabou mudando-se para o apartamento. Dois meses passaram,
e András definitivamente ficou para trás, talvez estivesse em Esztergom com a
mãe, esqueceu-o, contudo.
Num domingo de Junho
foi a Visegrád passear com Matteo, o Danúbio deslizava entre colinas verdes,
sobranceiro ao castelo, a paixão que vivia era aquilo que sempre almejara.
Findo o passeio, Matteo foi aos lavabos, no castelo,demorando-se mais que o
normal, Vanessa foi no seu encalce. Na casa de banho não estava, o castelo
fechara entretanto. Contornava a barbacã quando descortinou no capim um vulto
hirto e com um cachecol familiar: era Matteo, com um sabre espetado nas costas.
Colado na testa, um papel branco com a frase “Com os cumprimentos do
Karpátia”.
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