sábado, 21 de fevereiro de 2015

Alla u akbar!



Omar chegara ao Andaluz pelo tempo das laranjas, passando o mar antes cruzado por Tarik e Tarif, para os arredores de Ushbuna o mandaram: Xintara, terra de clima frio e solo fértil, urgia ocupar o qala’â, o castelo escarpado vizinho de Ushbuna. Al Munim Al-Himiari, estudioso e introspetivo, seguiu-o, apontando notas e recolhendo plantas, mais dado às letras que à cimitarra. Do rei de Al-Batayaws tinham partido ordens rigorosas, Al Muttawakkil queria os arredores de Ushbuna protegidos, face à ameaça almorávida. Al Munim, uma vez chegados, deteve-se admirado com os suculentos frutos e o âmbar que havia na costa. O rei aftássida, de origem berbere, já possuía ligações a cidades próximas, ocupado o castelo, impunha-se ocupar o território, levar noras e charruas e a palavra do Profeta às terras dos infiéis kafirun.

Belicoso mas obediente, Omar instalou-se no qala’â, construção de soga e tissão, revestida de pedras argamassadas. Dali se dominava o mar e Ushbuna, os campos e o povoado. Guarnições foram destacadas para Banu Qasim e para Qu’al-luz, ao longo da estrada romana. Ergueu uma mesquita, onde os fiéis acorriam ao vozear do muezzin, nas várzeas mandou que se plantassem árvores de fruto, se instalassem famílias, e se ensinasse a Palavra. Al Munim, que entretanto desposou Fátima, instalou-se em Maçfal, terra de bom pasto para as alimárias, grato pelas mercês conseguidas, e em paz com os kafirun, fiel à jihad, não das armas, mas dos corações.

Omar tinha uma postura diversa, e mais hostil, aos kafirun idólatras havia que vergar e impor os ensinamentos de Muhamad. Uma vez teve que castigar um kafir apanhado a roubar um alqueire de favas em Al Marje, a sharia não deixava fuga: havia que lhe decepar a mão, para que não repetisse. Misericordioso, Al Munim pediu perdão para o ladrão, fora para comer que roubara:

-Allah u akbar, misericordioso xeque Omar! –abordou Al Munim, encontrando-o no soukh, um dia depois- sei que prendeste um kafir, em Al Marje, conheço esse homem, tem quatro filhos sem malga onde comer, de férteis que são as terras, pouco dano terão feito as favas, por certo!

-As salaam alekum! -saudou Omar, apressado- os anciãos não me perdoariam, Al Munim, se não atuasse. Acaso dás mostras de ceder na fé e desdenhar os ensinamentos de Muhamad, que Alá o guarde?

Al Munim quedou em silêncio. Longe da medina e dos mullahs, tornara-se mais tolerante, depois de chegar a Xintara. Mais tarde, Omar mandou que lhe levassem o kafir ao castelo. O ladrão era um velho escanzelado, temente ao Deus dos hebreus, e não comia há uma semana, a mulher definhava, acometida de febres. Omar, mirando-o de alto abaixo ergueu a voz e sentenciou:

-Respeitar o Livro Sagrado é o maior dever do Andaluz, kafir! -gritou, para o velho acabrunhado- nunca ouviste falar no sagrado Corão?

O velho tremia que nem varas verdes, presente, Al Munim contemplava-o, apiedado. Omar, garante da ordem e do Livro, levantou a voz e recitou uma sura, a mesma que escutara vezes sem conta na madrassa de Fez:

-"Ó incrédulos! Não adoro o que adorais! Nem vós adorais o que adoro! E jamais adorarei o que adorais! Nem vós adorareis o que adoro! Vocês com a religião de vocês, e eu com a minha!" – e rematou, triunfante:

-A mão que roubou não pode voltar a roubar! É essa a lei dos justos! Entendes, kafir?

O velho tremia, com os olhos colados no chão, humilhado na alcáçova de Xintara. Já Omar mandava decepar a mão criminosa, quando Al Munim se adiantou, respeitoso e ponderado:

-Alá, o misericordioso, que esteja guardado no paraíso, é exemplo de liberalidade para com a humanidade. Perdoar, é mostrar o caminho, e abrir as portas do Céu! Este homem tirou para comer, não por luxúria ou maldade, mas por fome e miséria. Aplique-se a lei, sim, grande Omar, mas ganhando o coração dos incrédulos, e assim os kafirun verão quem é o verdadeiro Deus, o Único, o Misericordioso! Não disse o profeta, que Alá o guarde, "vocês com a vossa religião, e eu com a minha?".

Impressionado com Al Munim, e vendo a tremura do velho esfomeado, Omar acabou mandando que o levassem, sem o olhar de frente. Por esta lhe pouparia a mão, trabalharia porém durante um ano na horta do cahrói a quem roubara as favas. O Al-Islam chegava a Xintara, novas gentes lavravam os campos e estudavam os astros, paredes meias com outros credos e palavras, do mesmo Deus, quem sabe, assim convivendo alguns séculos mais à sombra do cala'â e do Crescente.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Aquele Carnaval no Rio




Pelas cinco da manhã já a aurora rosada e quente recortava o Pão de Açúcar e o posto seis de Copacabana enchia-se de vendedores de água de coco e sorvete. As quengas, que toda a noite  tinham aviado os turistas, sumiam como vampiros regressando ao caixão, para na noite seguinte retomar o batente. Mês de Carnaval, samba nos genes, o Rio vivia a semana maior do ano. Gustavo e o amigo, Jorge, que  não iam à cama desde a chegada ao Rio, tinham  bilhete para o sambódromo, sete mulheres para cada um, prometia o porteiro do hotel, já habituado à anual orgia dos sentidos. Enrolado em transpiração e cor, desaguando esfuziante na Marquês de Sapucaí, aí estava o colorido mundo de baianas e passantes, deserdados filhos do morro, mas reluzentes  príncipes por três dias. Para tudo se acabar na quarta-feira.

Enquanto a noite não chegava, Jorge aproveitou para uma praia em Ipanema, Gustavo, menos dado a praia, preferiu um jogging  no calçadão, dois  cariocas que conheceu no posto sete ofereceram-lhe mesmo “bolinhos de bacalhau”, ficando companheiros de corrida. À noite, enfim a festa na Grande Arena. Autocarros pejados levavam os foliões ao sambódromo, fornecendo um kit com sandes, cerveja e “camisinhas”. Antes do cortejo, picanha no Terreirão do Samba, um grande arraial no exterior do recinto, caipirinhas, corpos soltos e à solta, a coutada fértil  para uma noite de prazeres.

Daniela, uma  gazela morena, aproximou-se da mesa a oferecer companhia, mais tarde desfilaria pelos Unidos da Tijuca, esse ano dedicado a Santos Dumond, o pioneiro da aviação. Vaporosa, parecia levantar voo, já em piloto automático, os dois amigos exultavam, enfrascando-se:

-Oi caras, me pagam um chope? -desafiou, dengosa. Deus fez o mundo mas o português fez a mulata, pensou Gustavo. Era jackpot, trazia duas amigas, súbito harém na noite de quarenta graus. No palco, a música contagiava, já as primeiras escolas rasgavam o grande palco do Rio. Entrados no sambódromo, o álcool e o calor extasiavam, camisas fora, corpos dentro, ritmo endiabrado comandando a noite com tórridos apelos à amizade luso-brasileira, aquilo sim, era lusofonia. Em Sintra era Inverno, e eles, na twilight zone, tratavam das relações diplomáticas...

Jorge torcia pela Mangueira, durante um favela tour assistira ao ensaio, no morro, Jurema, uma passante prometera ir ao seu encontro após o desfile. Enquanto a escola de Daniela não passava, e já grogue, Gustavo ficou atento a um zepelim que sobrevoava o recinto, ao fundo, o Corcovado guardava, iluminado. Nessa noite desfilaram nove escolas, uma hora para cada exibição, é dose, desabafou o Gustavo, a fazer a conversão das horas em chopes, o transfer para o hotel ficara para as seis da manhã.

Aí pela sétima escola e dez cervejas depois, após o desfile da Mangueira, chegou Jurema, radiante e emplumada, logo sumindo com Jorge para os lavabos. Depois de ver Daniela  deslumbrar, apetitosa num fio dental que excessivamente a cobria, Gustavo mandou um SMS ao amigo, que por certo já não leria, e rompendo pela Sodoma electrizada, partiu com ela num táxi,  o transfer que se lixasse. No banco de trás, finalmente a explosão dos sentidos e dos corpos, alheios ao taxista que pelo retrovisor observava os fogosos clientes. Gustavo mandou deambular sem destino, nas areias de Ipanema teriam um fim de noite fulgurante. Quase manhã, ainda alguns foliões queimavam um  samba, extenuado, Gustavo, depois de enfiar Daniela num táxi para o morro, enfim voltou para o hotel. Uns metros à frente, uma música envolvente, vinda do Scala, convidava a uma última bebida.Que se danasse, festa è festa, entrou, uma fauna de foliões com ar lascivo pejava o bar:

-Precisa companhia, gostosão? -chamou um tipo magro e louro, a quem um disfarce de arlequim emprestava um ar perturbador. O cheiro de Daniela ainda impregnado não o seduziu para aquele papo de fim de  noite, e sem grande alarde, descartou-se, o outro, que lambia os lábios com ar lascivo, fez uma careta e sumiu amuado para junto dos amigos, fantasiados de marinheiros. Este já não bebe mais nada, pensou Gustavo, despachando uma vodka abaladiça. À saída, já um novo dia raiava na baía de Guanabara, saciado com a  vertiginosa noite, reparou no cartaz do Scala, anunciando a festa que resistia lá dentro:“Galera, hoje Noite Gay e Lésbica. Caia no pedaço”. Sorriu e seguiu para o Othon. Já caíra  o suficiente essa noite, e em que pedaço…       

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O rapto do duque de Windsor




Anoitecia quando Walter Schellenberg chegou ao Hotel Nunes, em Sintra. Oficial da Gestapo, ia ao encontro do capitão Kramer, o chefe da terceira secção de contraespionagem da Abwehr, para o encarregar duma missão. Depois de Ribbentrop propor que o Duque de Windsor ocupasse o trono inglês após a vitória do Reich, este, de visita a Portugal, abordado em segredo no hotel Avis, mostrara-se reticente, pelo que, furioso, o Führer ordenava o seu rapto e que o levassem para Berlim. Schellemberg e Kramer com os seus cabelos louros não passavam despercebidos no Nunes, e no encontro foi acertada a missão e os seus pormenores.

-Heil, Hitler! -saudou Schellemberg, em Lisboa há dois meses.

-Heil, herr Schellemberg -retorquiu o capitão, uma cicatriz na cara denunciava o estilhaço de uma granada, durante a ocupação de Danzig. O Reich tem uma missão para si. Sabe que o ex-rei de Inglaterra Eduardo VIII está neste país?

-Ya, Hauptmann Kramer, temos dois dos nossos homens infiltrados na casa onde está alojado! -informou, marcial, o duque era convidado de Ricardo Espírito Santo, no Estoril, onde todas as secretas vigiavam, até  Agostinho Lourenço, o chefe da PVDE, pusera agentes a seguir-lhe os passos.

-Pois é preciso levá-lo em segredo para a Alemanha! -e passou a expor: o plano é o seguinte: no dia 29 de Julho os duques estão convidados para um jantar aqui em Sintra, em casa dum armador português, um tal Conceição Silva, que é da nossa confiança. Cecil Nassenstein e Volbrecht, da nossa legação em Lisboa, disfarçados de motoristas, conduzirão o carro do duque após o jantar, mas  sem voltar ao Estoril, seguirão antes para Tires, onde um avião do Reich os levará para Hamburgo. Compreendido?

-Ya wohl! Vou providenciar a operação!

Transmitidas as ordens, despediram-se seguindo em direções opostas, na vila, modorrenta, rosadas colarejas vendiam queijadas a preços convidativos.

Nassenstein e Volbrecht  tinham chegado uns dias antes a Lisboa, e trabalhavam no Hotel Avenida Palace onde um corredor secreto  ligava à estação do Rossio, com a conivência da PVDE, ali discretamente iam chegando muitos espiões do Reich. Em Sintra, ficou acertado o dia da operação, 29 de Julho, data do jantar, na véspera discretamente se encontrariam no Casino Estoril para acerto dos detalhes, dois courpiers eram da Gestapo. Entre o bacará e o poker seguiriam os passos dos ingleses, instalados no Estoril.

Eduardo VIII sucedera ao pai, Jorge V, em Janeiro de 1936, mas o seu reinado seria breve, oficialmente devido ao casamento com Wallis Simpson, uma americana divorciada. Abdicando a favor do irmão Jorge, manteve o título de duque, mas as simpatias pela Alemanha nazi começaram então a manifestar-se abertamente, para aí canalizando o despeito por não ter sido reconhecido a Wallis o tratamento devido. Ainda rei, realizara uma viagem à Alemanha onde foi calorosamente recebido por Hitler, e após estalar a guerra pronunciara discursos defendendo os nazis. Era um trunfo útil, um rei inofensivo que sem problemas depois da guerra Hitler sentaria no trono inglês. Ricardo Espírito Santo, o anfitrião do duque, colaborava com ingleses e alemães, num jogo do conhecimento da secreta inglesa, que em código o designava por Holy Ghost. Na noite do jantar em Sintra, alegou um encontro com o Ministro do Interior para não comparecer, sabia dos planos para o rapto e havia que manter-se distante.

Pelo fim da tarde, à saída para o jantar, Silveira, o motorista ao serviço dos duques, foi abordado por um inglês dizendo-lhe que não seria ele o chauffeur nesse dia. Ordens da embaixada, o dr. Ricardo estaria a par. Aliviado, o Silveira acatou a ordem, liberto para uma noite de copos com o Porfírio no tasco da Rua da Rosa.Os duques eram afáveis, mas pouco faladores. Notava-se amargura em Eduardo, dividido entre a angústia por ver a Inglaterra atacada e o apreço pela obra de Hitler, que tirara a Alemanha da crise que nos anos vinte a levara ao vexame. Afinal, a dinastia britânica tinha origens alemãs e o sangue dos Hannovers corria-lhe nas veias.

Já perto das sete, partiram. O motorista substituto falava inglês, era um conterrâneo, o que agradou a Eduardo, saudando-o com cordialidade. Chegados ao Alcoitão, o carro, porém, tomou outra direção. Eduardo estranhou, já tinha estado em Sintra mas não por aquele caminho. Perspicaz, o condutor pediu-lhe que não fizesse perguntas, tudo seria explicado mais tarde. Dusko Popov, um agente duplo inglês de ascendência sérvia, era o motorista, conhecido pelos pares como o “Triciclo”. Por comunicações cifradas os ingleses já tinham descoberto o plano dos alemães, e uma ação designada por Operação Wikki fora montada para pôr o duque a salvo. Chegados perto de Sintra, Popov inteirou-os da intenção dos nazis, descoberta pelo MI5 através de Kim Philby e Donald Darling, dois  dos agentes estacionados em Lisboa.

Em S. Pedro senhoras com lantejoulas e vários membros da comunidade britânica esperavam, estranhando a demora. Conceição Silva olhava o relógio, entreolhando Kramer, enquanto Volbrecht, disfarçado de motorista, aguardava junto a um carro. Os duques não apareciam, nem apareceram nessa noite. Um telefonema da embaixada comunicava uma indisposição súbita da duquesa, com pena pela ausência teriam de ficar pelo Estoril. Goravam-se os planos do Reich, com a espionagem europeia ensaiando manobras no spyland que era Portugal, que piscava o olho às potências em obediência ao tacto de Salazar.

Três dias depois do jantar, a 2 de Agosto, os duques partiram no Excalibur, rumo às Bahamas, onde, longe do vespeiro europeu, Eduardo assumiria o lugar de Governador. Mais uma vez os ingleses levavam a melhor.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Terroristas na Portela de Sintra



A carrinha ficou no estacionamento enquanto os dois jovens se abasteciam no Pingo Doce da Portela, à porta, ruidosos alunos do liceu devoravam pizza e refrigerantes. Pelo carro das compras, levaram só alimentícios: frangos, arroz, pão, um deles comprou o jornal. A velha carrinha pão de forma estava em desalinho com jornais velhos pelo chão, um bidon de gasolina, toalhas de praia, e CD’s de Lady Gaga no porta-luvas. Na Portela ninguém os conhecia, mas há três dias pelo menos tomavam um galão e um croissant no café do Baptista, sempre à mesma hora e antes de irem ao supermercado.

A Gracinda do 26, frente ao jardim, reparou que os dois indivíduos estavam no segundo esquerdo. Desde que o Ramiro morrera, três meses antes, a casa ficara fechada, a única filha vivia em Londres e só fugazmente lá ia. Amigos ingleses, pensou, cuscando atrás das cortinas, a carrinha era velha e pareciam estrangeiros. Já comentara até com a Ercília do primeiro esquerdo, quando esta saiu a passear o cão. Os novos ocupantes pouco se viam e ignorava o que fariam lá dentro, só havia uns tarecos que a filha do Ramiro deixara. Ao fim de cinco dias, sumiram e a carrinha pão de forma não voltou a ser vista, para a vizinhança caso arrumado e as conversas de novo sobre a crise e a ciática da Gracinda.

Uma semana depois, almoçava ela umas pataniscas, o Jornal da Tarde abriu com a notícia de que se suspeitava que jihadistas ingleses teriam estado em Portugal, em trânsito para a Síria, onde integrariam as fileiras do Estado Islâmico. Casas nos arredores de Lisboa estariam a ser alvo de observação pela polícia portuguesa, bem como estrangeiros fora dos circuitos turísticos. Qual clique repentino, a Gracinda lembrou-se dos rapazes do segundo esquerdo, partiram como chegaram e tinham um sotaque esquisito, correu a comentar com a Ercília. Era isso, só podiam ser eles, um telefonema para a esquadra despoletou uma visita ao local, à cautela, havia que apurar. Alertada, uma equipa da SIC plantou-se no local, transmitindo em directo, logo atraindo a CNN e outros canais. Gracinda e Ercília desdobravam-se em entrevistas, à TVI perguntaram mesmo quando seriam convidadas para o Goucha, para terem tempo de arranjar o cabelo.

Montado o perímetro, chegaram as minas e armadilhas e os habituais reformados do jardim, arranjada uma ordem judicial, a porta foi franqueada, mas aparentemente nada de estranho foi detectado, se bem que jornais ingleses dessem azo a suspeitas. Atraídos pelo circo mediático, os vizinhos desdobravam-se em comentários, o Vítor vira-os no café do Baptista, tinham aspecto de terroristas, sim senhor, um tinha até uma T-Shirt com as palavras Sex Bomb estampadas.

Passaram uns dias, recolhidas impressões digitais e com a ajuda da Europol, lá se descobriu que eram apenas amigos da filha do Ramiro. Tendo ela oferecido a casa para uns dias em Portugal, já de volta a Inglaterra estranharam a visita da Scotland Yard. Estudantes, tinham ido conhecer Sintra e como estivesse bom tempo, haviam ficado uns dias a fazer praia.

As notícias reportando estes factos não sossegaram Gracinda, ali havia tramóia. Eram terroristas, sim senhor, mas a polícia não podia admitir, para não espantar outros que cá estivessem, com esta se ficava, tendo ido passear à vila, todos os turistas lhe pareceram estranhos. O marido da Alzira explicou-lhe que os tais jihadistas eram uns barbudos que queriam restaurar o Califado, e o Castelo dos Mouros era um alvo a recuperar, mil anos depois. Que tratantes, comentou com a Ercília, escutadas notícias sobre pepinos infectados, só poderia ser coisa desse tal califa, e à cautela não voltou a comprar mais, poderiam estar contaminados.

Com os dias, a coisa saiu da actualidade e as novidades passaram a ser as transferências do Benfica. A casa do Ramiro continuou fechada, para ela perigoso esconderijo de bandidos, que andava para aí uma seita que só visto, já nem o nosso cantinho escapava. Chegado o mês de Julho, Gracinda foi de férias para a terra, o assunto morreu e Sintra saiu do mapa mediático, voltando ao movimento do Pingo Doce e aos pacientes a caminho das análises, até a escola fechou para só abrir em Setembro.

No final do mês, com a Portela deserta e os serviços a meio gás, três indivíduos com um Megane alojaram-se no prédio ao lado do da Gracinda, transportando caixotes e sacos pretos colados com fita adesiva, despovoado o bairro, nem se deu por eles. Na segunda noite, com um pano com as palavras  Euskadi Ta Askatasuna estampadas, e ladeados por uma bandeira com uma serpente enrolada num machado, os forasteiros, encapuzados, gravaram um vídeo que mais tarde discretamente deixaram na Zara no Cascaishopping. Anunciando um atentado, a mensagem não deixava dúvidas sobre os planos da ETA, razão tinha a Gracinda, de férias na terra, a Portela estava a virar um santuário terrorista.