terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Aquele Carnaval no Rio




Pelas cinco da manhã já a aurora rosada e quente recortava o Pão de Açúcar e o posto seis de Copacabana enchia-se de vendedores de água de coco e sorvete. As quengas, que toda a noite  tinham aviado os turistas, sumiam como vampiros regressando ao caixão, para na noite seguinte retomar o batente. Mês de Carnaval, samba nos genes, o Rio vivia a semana maior do ano. Gustavo e o amigo, Jorge, que  não iam à cama desde a chegada ao Rio, tinham  bilhete para o sambódromo, sete mulheres para cada um, prometia o porteiro do hotel, já habituado à anual orgia dos sentidos. Enrolado em transpiração e cor, desaguando esfuziante na Marquês de Sapucaí, aí estava o colorido mundo de baianas e passantes, deserdados filhos do morro, mas reluzentes  príncipes por três dias. Para tudo se acabar na quarta-feira.

Enquanto a noite não chegava, Jorge aproveitou para uma praia em Ipanema, Gustavo, menos dado a praia, preferiu um jogging  no calçadão, dois  cariocas que conheceu no posto sete ofereceram-lhe mesmo “bolinhos de bacalhau”, ficando companheiros de corrida. À noite, enfim a festa na Grande Arena. Autocarros pejados levavam os foliões ao sambódromo, fornecendo um kit com sandes, cerveja e “camisinhas”. Antes do cortejo, picanha no Terreirão do Samba, um grande arraial no exterior do recinto, caipirinhas, corpos soltos e à solta, a coutada fértil  para uma noite de prazeres.

Daniela, uma  gazela morena, aproximou-se da mesa a oferecer companhia, mais tarde desfilaria pelos Unidos da Tijuca, esse ano dedicado a Santos Dumond, o pioneiro da aviação. Vaporosa, parecia levantar voo, já em piloto automático, os dois amigos exultavam, enfrascando-se:

-Oi caras, me pagam um chope? -desafiou, dengosa. Deus fez o mundo mas o português fez a mulata, pensou Gustavo. Era jackpot, trazia duas amigas, súbito harém na noite de quarenta graus. No palco, a música contagiava, já as primeiras escolas rasgavam o grande palco do Rio. Entrados no sambódromo, o álcool e o calor extasiavam, camisas fora, corpos dentro, ritmo endiabrado comandando a noite com tórridos apelos à amizade luso-brasileira, aquilo sim, era lusofonia. Em Sintra era Inverno, e eles, na twilight zone, tratavam das relações diplomáticas...

Jorge torcia pela Mangueira, durante um favela tour assistira ao ensaio, no morro, Jurema, uma passante prometera ir ao seu encontro após o desfile. Enquanto a escola de Daniela não passava, e já grogue, Gustavo ficou atento a um zepelim que sobrevoava o recinto, ao fundo, o Corcovado guardava, iluminado. Nessa noite desfilaram nove escolas, uma hora para cada exibição, é dose, desabafou o Gustavo, a fazer a conversão das horas em chopes, o transfer para o hotel ficara para as seis da manhã.

Aí pela sétima escola e dez cervejas depois, após o desfile da Mangueira, chegou Jurema, radiante e emplumada, logo sumindo com Jorge para os lavabos. Depois de ver Daniela  deslumbrar, apetitosa num fio dental que excessivamente a cobria, Gustavo mandou um SMS ao amigo, que por certo já não leria, e rompendo pela Sodoma electrizada, partiu com ela num táxi,  o transfer que se lixasse. No banco de trás, finalmente a explosão dos sentidos e dos corpos, alheios ao taxista que pelo retrovisor observava os fogosos clientes. Gustavo mandou deambular sem destino, nas areias de Ipanema teriam um fim de noite fulgurante. Quase manhã, ainda alguns foliões queimavam um  samba, extenuado, Gustavo, depois de enfiar Daniela num táxi para o morro, enfim voltou para o hotel. Uns metros à frente, uma música envolvente, vinda do Scala, convidava a uma última bebida.Que se danasse, festa è festa, entrou, uma fauna de foliões com ar lascivo pejava o bar:

-Precisa companhia, gostosão? -chamou um tipo magro e louro, a quem um disfarce de arlequim emprestava um ar perturbador. O cheiro de Daniela ainda impregnado não o seduziu para aquele papo de fim de  noite, e sem grande alarde, descartou-se, o outro, que lambia os lábios com ar lascivo, fez uma careta e sumiu amuado para junto dos amigos, fantasiados de marinheiros. Este já não bebe mais nada, pensou Gustavo, despachando uma vodka abaladiça. À saída, já um novo dia raiava na baía de Guanabara, saciado com a  vertiginosa noite, reparou no cartaz do Scala, anunciando a festa que resistia lá dentro:“Galera, hoje Noite Gay e Lésbica. Caia no pedaço”. Sorriu e seguiu para o Othon. Já caíra  o suficiente essa noite, e em que pedaço…       

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