sábado, 25 de outubro de 2014

O mundo mágico de Hans




Novo paraíso, terra onde a a Primavera tem trono, Hans tinha de conhecer essa Sintra de que tanto falavam, o momento surgiu com o convite dos O' Neill, para ir entre Julho e Agosto. As chaminés acopladas do Paço, que mais lhe pareciam garrafas de champanhe, circundadas por aquele êxtase da natureza, confirmaram tudo o que lhe haviam dito: Sintra era História feita jardim, perfumada e bucólica, recordou-lhe as florestas de Roskilde e os palácios de Elsinore, onde crescera e aprendera as primeiras letras.

Hans Christian Andersen depressa se afeiçoou aos amigos portugueses. A viscondessa de Reboredo, filha do almirante Zahrtmann, dinamarquesa como ele, recebeu-o com entusiasmo, bem como o conde de Almeida e o marquês da Fronteira. Por cá descobriu também um amigo, Edward, filho do poeta Lytton-Bulwer,secretário da legação britânica em Lisboa. A comida era boa, o ambiente familiar, por Sintra ficou até o barco para França chegar.

Nesses dias, com Edward e José O’Neill visitou a Pena e Monserrate, verdadeiros palácios de fadas. A igreja românica fronteira à casa dos 0’Neill transportou-o para tempos medievais, povoados de princesas trancadas em torreões e ogres escondidos na serra, o palácio, lá no alto, era um verdadeiro olimpo, logo na sua imaginação transformado em histórias que os seus leitores devorariam, suspensos do desfecho. Era belo Portugal, e esfuziante a Sintra onde o levaram.

Em Monserrate, um pormenor lhe captou a atenção: num lago, um pequeno cisne partilhava o ninho com uma pata e seus rebentos. Órfão, por certo, diferente dos outros, apesar de recolhido, era contudo perseguido e maltratado pelos outros patos. Hans várias vezes parou a observar o bastardo, quem sabe se uma vez adulto não levantaria asas e dominaria o lago, qual príncipe da feteira. Tal como ele, que filho dum sapateiro tivera de se criar em casa de outros, e só adulto fora aceite pela aristocracia, ali encontrou uma alma gémea, um patinho feio que um dia viraria um esbelto cisne, conquistando a floresta encantada de Sintra.

Carlota, a filha dos O’ Neill, simpatizou com ele, quem escrevia para crianças só podia ter bom coração. Uma noite, após o jantar, quis que ele fosse ao seu quarto e ele foi, de mão dada, ante a advertência da mãe para não incomodar o amigo. Sobre a cama, uma boneca de porcelana, loura e sorridente, olhava fixamente os dois. Carlota pegou-lhe e mostrou-a ao escritor:

-Esta é a Bárbara, é a minha melhor amiga. Gosta dela? -perguntou, na inocência dos seus cinco anos. Hans sorriu, pegando na boneca:

-É linda, Carlota. Brincas muito com ela?

-Sim…Mas quando a deixo para ir às aulas de piano, ela fica muito sozinha. Acho que precisa de um amigo!

-Pois é…tens de lhe arranjar uma companhia. Mas ela, se for uma amiga verdadeira, vai esperar por ti, para brincarem juntas. E às vezes devias levá-la à serra ou à vila, acredita, ela ia ficar contente!

De volta à sala, os amigos dos O’ Neill chegavam para o jantar, muitos o queriam conhecer pessoalmente.

Os restantes dias foram de descanso e descoberta. No lago, o pequeno cisne lá continuava, trôpego, Hans antevia-o adulto, quando o Inverno chegasse e a Natureza ditasse as suas regras.

No início de Agosto, o navio vindo do Rio e que o levaria a Bordéus finalmente chegou, duas semanas tinham passado, um último jantar foi organizado em sua honra e a pedido de Hans, Carlota jantou à mesa com eles. No final, escreveu no álbum dos O’ Neill:

Quando, querendo Deus, em breve passear/Nas galerias de faias do meu país natal/Voará muitas vezes meu pensamento/Para o belo país que é Portugal.

Fora uma jornada magnífica. Pela manhã, antes das despedidas, acariciou Carlota e puxando de um embrulho, deu-lho, com voz de mistério:

-Isto é para ti, e para a Bárbara. Mas abre só depois de eu partir. As duas vão gostar, vão ver!

Mal a carruagem desapareceu na curva de Santa Maria, Carlota correu a abrir o embrulho. Era um soldadinho de chumbo, azul e vermelho, com um chapéu preto de feltro. Doravante, não mais Bárbara ficaria só, quando a deixassem sobre a cama do quarto, para ela chegava enfim o seu Príncipe Encantado.

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