Ao contrário do costume, o Outono em Sintra chegara quente e estival,
Gilberto pensara em ir de novo para o Algarve, mas a doença da mãe aconselhou a ficar
por perto, há vinte anos que não passava uma temporada em Colares. Lá estavam ainda o
Pomarinho, os patos no rio, o quiosque dos jornais e o Cantinho da Várzea. Os
velhos plátanos subsistiam ainda, e
Colares conservava o ar burguês e suave dos anos cinquenta, com chalés de
onde se via que o dinheiro fugira já, pérgulas a carecer de pintura, aloés e
sardinheiras crescendo selvagens nas quintas. A praia tinha um ar mais
decadente, num amontoado branco de casas desordenadas, de várias épocas e
gostos dissonantes, o pátio do Búzio deprimia pelo quintal sem jeito, que
saudades lhe vieram do barracão do cinema. E do Quivuvi, do Casino, e da
Concha, do Bibió decorado de bandejas, e do Xiripiti junto ao Neptuno. Sentiu
nostalgia desses tempos, por os saber desaparecidos. Há muito veraneava noutras
bandas, menos epidérmicas e com menos passado, aos filhos chamou a
atenção o Maçãs, onde poderiam curtir sábados à
noite.
Passados os cinquenta já, com uns calções verdes e panamá enterrado na cabeça, diária e religiosamente se entreteu numa ritual volta pela praia, depois de abastecer de notícias no quiosque. Familiar, o Luís Alberto, do Búzio, com décadas de praia, lá estava, junto às sapateiras e robalos, vizinho, o eléctrico de novo partia e chegava, rangendo como nos velhos tempos. Nunca mais nele andara, perdera a piada, já não podia ir no estribo a roubar fruta.
A praia perdera carisma, plantada de prédios a lembrar Quarteira, até chineses havia, o vento, esse, continuava o mesmo. Em tempos jogara à bola no ringue, alguns amigos ainda por lá paravam, com barrigas de cerveja e carecas recentes, celebrando o passado com uma fresquinha a cada encontro: o Tavares vivia em Inglaterra, dois putos já casados, o Adriano em Janas, era bate-chapas, ele sumira uns bons anos, gestor numa empresa informática, nos anos das vacas gordas parara mais por Ibiza e pelo Algarve.
A casa de Colares levara obras, janelas, uma churrasqueira nova, pouco restava do alçado à Raul Lino construído pelo pai, memórias, sim, muitas, o mundo era outro, porém, os filhos quase adultos, os pêssegos e as pêras de vez sumidos, até o pão quente de Nafarros acabara. Como era uma aventura nesse tempo deixar Lisboa para dois meses em Colares, qual viagem ao interior profundo, levando cobertores, fogão, fazer compras na feira de S. Pedro e comer pão de Mafra a estalar. Era diferente agora, com romarias para o shopping, e a ditadura do tablet. "Tias" renitentes haviam descoberto o mercado de Almoçageme, aí, de novo seriam “madames” e veneradas, sem nada a ver com a vulgar caixa do supermercado. Como eram engraçadas, com as unhas pintadas, simulando saber escolher rabanetes e melões que os saloios, agora chamados de produtores biológicos, vendiam à beira da estrada.
Fora por quinze dias, e, sinal dos tempos, trocara o lavagante pelos percebes, o James Marten’s pela cervejinha, de quando em quando uma salada de polvo acompanhava a fresquinha da tarde, os dias passaram entre a leitura e passeios na Praia Grande. No fundo, vivia tranquilo. Cortara Cancún, o golfe e o resort, iam distantes os anos despreocupados, mas estava em casa, navegando num passado que nenhum spread aumentaria. Atrás da cinza, uma réstia de azul, afinal...
Passados os cinquenta já, com uns calções verdes e panamá enterrado na cabeça, diária e religiosamente se entreteu numa ritual volta pela praia, depois de abastecer de notícias no quiosque. Familiar, o Luís Alberto, do Búzio, com décadas de praia, lá estava, junto às sapateiras e robalos, vizinho, o eléctrico de novo partia e chegava, rangendo como nos velhos tempos. Nunca mais nele andara, perdera a piada, já não podia ir no estribo a roubar fruta.
A praia perdera carisma, plantada de prédios a lembrar Quarteira, até chineses havia, o vento, esse, continuava o mesmo. Em tempos jogara à bola no ringue, alguns amigos ainda por lá paravam, com barrigas de cerveja e carecas recentes, celebrando o passado com uma fresquinha a cada encontro: o Tavares vivia em Inglaterra, dois putos já casados, o Adriano em Janas, era bate-chapas, ele sumira uns bons anos, gestor numa empresa informática, nos anos das vacas gordas parara mais por Ibiza e pelo Algarve.
A casa de Colares levara obras, janelas, uma churrasqueira nova, pouco restava do alçado à Raul Lino construído pelo pai, memórias, sim, muitas, o mundo era outro, porém, os filhos quase adultos, os pêssegos e as pêras de vez sumidos, até o pão quente de Nafarros acabara. Como era uma aventura nesse tempo deixar Lisboa para dois meses em Colares, qual viagem ao interior profundo, levando cobertores, fogão, fazer compras na feira de S. Pedro e comer pão de Mafra a estalar. Era diferente agora, com romarias para o shopping, e a ditadura do tablet. "Tias" renitentes haviam descoberto o mercado de Almoçageme, aí, de novo seriam “madames” e veneradas, sem nada a ver com a vulgar caixa do supermercado. Como eram engraçadas, com as unhas pintadas, simulando saber escolher rabanetes e melões que os saloios, agora chamados de produtores biológicos, vendiam à beira da estrada.
Fora por quinze dias, e, sinal dos tempos, trocara o lavagante pelos percebes, o James Marten’s pela cervejinha, de quando em quando uma salada de polvo acompanhava a fresquinha da tarde, os dias passaram entre a leitura e passeios na Praia Grande. No fundo, vivia tranquilo. Cortara Cancún, o golfe e o resort, iam distantes os anos despreocupados, mas estava em casa, navegando num passado que nenhum spread aumentaria. Atrás da cinza, uma réstia de azul, afinal...
Sem comentários:
Enviar um comentário